terça-feira, 23 de abril de 2013

Filme "Nos que aqui estamos por vós esperamos"


"Nós que aqui estamos por vós esperamos."

Com base na história e na psicanálise, Marcelo Masagão compôs um complexo mosaico de memórias do século 20. Seu recurso à justaposição de imagens e seqüências fragmentadas, ao invés de uma narrativa contínua e linear, capturou o âmago mesmo desse tempo turbulento. A irrupção nele da cultura moderna indicava precisamente isso: a ruptura de todos os elos com o passado; o imperativo da supremacia tecnológica; a penetração ampla e profunda em todas as dimensões, macro e micro, da matéria, da vida e do universo; o anseio da aceleração, da intensidade, e da conectividade; a abolição dos limites do tempo e do espaço. O que mais marca este momento portanto, é justamente essa multiplicação de energias, a pluralidade das sensações e das experiências, o esfacelamento da consciência e a interação com os mais diversificados contextos.


Do alto da montanha-russa é possível avistar diferentes pontos de vista a partir de diferentes planos da realidade. O ritmo dos trilhos não deixa a permanência em um único plano. Cemitério em vista. Cruzes brancas vistas do alto, em uma dimensão diferente. Em menos de 100 anos seremos vistos também. E os nossos feitos estarão sendo usados!
Cemitério! Num piscar de olhos, juntamente com o desenrolar da montanha-russa, somos envolvidos em movimentos circulares que remetem ao funcionamento de máquinas da revolução industrial, iniciada no século XIX. Foi uma cena de fração de segundos. Século XX. Matemática abstrata. E=mc2. Máquinas complexas. Bombas. Bluuúuumm!
Estamos em descida. Frio na barriga… Bluuúmm! Ritmo outra vez! E o tempo de produção de um carro foi reduzido de 14 horas para 1h33min. Alex Anderson viveu de 1882 a 1919, e foi operário. Recebia $22.00 por semana e trabalhava por 12 horas diárias, incluindo sábados. Fazia pique-nique aos domingos. Nunca teve um Ford K como os que ajudava a produzir, e morreu de gripe espanhola. Não dá para ver o túmulo dele daqui.
Estamos subindo de novo! Gostozinho! Mas o carrinho parou! Estamos diante de um abismo! Fração mínima de segundos parados no ar. Entregues ao vento e à gravidade. Matemática abstrata. Despencaaaamooosss…
Vietnã. Um avô qualquer (muito simpático por sinal), que estava em um belo dia ensolarado curtindo a praia com os amigos. Ele era levantado para o alto. O alto! … Conheci o pedaço da batata da perna do filho dele. Mas podia não ser também do filho dele. Segundo Cristian Boltanski: “em uma guerra não se matam milhares de pessoas. Matam-se uns que adoram espaguete, outros que são gays, outros que namoram. Em uma guerra, acumulações de memórias são assassinadas”. Concordo com ele.
As fontes de energia tornam-se cada vez mais potentes. Surgem novos meios de transporte, como transatlânticos, carros, caminhões, motos, trens expressos, aviões…, novos meios de comunicação como o rádio, o telégrafo, gramofones, fotogramas, fotografias, cinema… Ahhh, o cinema! Mais armamentos, conhecimento especializado e a conquista do globo terrestre.
Um referencial europeu para um ideal de civilização ou “Ordem e Progresso”? Um futuro de racionalidade e harmonia. Ritmo em velocidade. Queda vertiginosa. Oscilações e constatações. Ritmo que nos tira a referência espacial.
Cemitério. Novas formas de usar a eletricidade. Velocidade e usinas hidro e termelétricas. Petróleo e derivados para motores de combustão interna e veículos automotores. Novas técnicas de prospecção mineral. Siderúrgicas. Materiais de plástico. Segunda Guerra-Mundial e destruição em massa.
Guerra-Fria. Conflito entre mundos desenvolvidos. Ditaduras para o sub-mundo. Revolução micro-eletrônica e parques de diversão. Montanha-russa e algodão doce! Idealismo: mostrar o heroico de modo anônimo e simples, porém, crítico. 1970: a China tinha como principal atividade montar bicicletas. O livro de cabeceira era O Vermelho. 1985: 8238 “Joãos” trabalhando na Serra Pelada, aqui no Brasil. “Joãos” em busca do ouro, nunca encontrado para eles! Japão de 1957: japonesas operárias produziam televisões. Fotos artísticas em preto-e-branco foram tiradas dos pés descalços, sujos e de pele ressecada por Sebastião Salgado. Cemitério para o pé do dono desse pé que gostava de Coca-Cola. “Sempre Coca-Cola…!”
Efeitos especiais brilhantes. E mais uma cena de cemitério! Efeitos que exprimem uma mescla impactante de imagens, ideias, fatos, sonhos e sons (sempre nos trilhos…) Até a Praça da Paz Celestial em 1989 com tanques de bombardeio. Distorção de rostos mais a palavra PARANOIA.
Foto de um bebê fofinho. Cara de bravo. Bebê fofinho “indolente , mal-humorado e austero. Pouco dinheiro, poucos amigos, poucas mulheres. Nem cigarro, nem bebida. Bigode ralo.” Efeito desorientador, cegueira e irreflexão. Sociedade sem crítica e, consequentemente, sem identidade.
Século XX. Efeitos multiplicativos. Globalização. Transações entre Tóquio, Hong-Kong, Cingapura, Europa, Londres, Zurique, Frankfurt, Nova York, Chicago e Toronto. Sistemas políticos, parlamentos, tribunais e opinião pública. Redistribuições na saúde, educação, moradias, infra-estrutura, seguro social, lazer e cultura.
Tempo: passado, presente e futuro. Che, Gandhi, King e Lennon. Mulheres nos trilhos. Mulheres gostando de ficar nos trilhos. Casa, cozinha, filhos, marido e depressão. “We can do it!” and more… Channel, operárias, alemãs, russas, inglesas, japonesas, americanas, mais americanas. 1916: primeira clínica de controle da natalidade. Margareth Sanger; mulher que teve essa ideia foi acusada de obscenidade, presa e viveu de 1883 até 1966.
Woodstoock. Cemitério. “Há três tipos de déspotas: o eu tiraniza o corpo; o Príncipe. O que tiraniza a alma; Papa. O que tiraniza o corpo e a alma; o Povo”. Vertigem. Vertigem e Deus. Deus: criança pobre à espera dele.
Síndrome e tempo: reflexão sobre seus caminhos e descaminhos. Parou. Cabelos penteados pelo vento! Carrinho parado e pé no chão! Cemitério! Retrospectivas de sonhos e realidades, arte e guerras, vidas e mortes. Secular “Nós que aqui estamos, por vós esperamos” (um documentário para nossa cabeceira! Par ideal da nossa bíblia!). Mas antes, estrangulou o marido, ou a mulher, e foi ao cinema!


Video: https://www.youtube.com/watch?v=maDnJcVbAoQ

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